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Novembro Azul deve incluir mulheres trans, defendem urologistas

Por PRADO AGORA em 16/11/2023 às 07:16:26

Voltada para a prevenção e conscientização sobre o câncer de próstata, a campanha Novembro Azul deve alcançar a todas as pessoas que podem ser acometidas por essa doença, o que inclui as mulheres transexuais e travestis. O alerta é de urologistas ouvidos pela AgĂȘncia Brasil, como o médico Ubirajara Barroso Jr., chefe da Divisão de Cirurgia Urológica Reconstrutora do hospital da Universidade Federal da Bahia (SFBA). Barroso foi responsĂĄvel pela primeira cirurgia de transição de gĂȘnero pelo Sistema Único de SaĂșde (SUS) na Bahia.

Realizada pela Sociedade Brasileira de Urologia (SBU), a campanha agora é mais abrangente, chamando a atenção do homem para a necessidade de se consultar com um urologista desde a adolescĂȘncia. Além de enfatizar que é preciso avaliar a saĂșde do homem desde a idade mais tenra, com a campanha Vem pra Uro!, a iniciativa volta-se para as pessoas que são designadas como sexo masculino ao nascer, mas passam a se identificar com o sexo feminino, que é o caso das mulheres trans, afirma o urologista.

Ubirajara Barroso Jr. ressalta que não é só a mulher trans precisa ser incluĂ­da nos cuidados com a saĂșde. "Não esqueçamos que muitos homens trans que, inicialmente, podem necessitar de cuidado ginecológico, porque persistem com vagina, Ăștero, trompa e ovĂĄrios, acabam submetendo-se à correção cirĂșrgica, com reconstrução de um falo, seja com o próprio clitóris ou com retalhos, e passam a penetrar, ficando sujeitos a riscos de alterações urinĂĄrias pela reconstrução da uretra e, também, de infecções sexualmente transmissĂ­veis."

Glândula

No caso da mulher trans, apesar de o sexo designado ao nascer ser o masculino, duas coisas podem acontecer durante ou após transição hormonal ou cirurgias. "Primeiro, todas as mulheres trans mantĂȘm a glândula prostĂĄtica, que não é abordada no procedimento cirĂșrgico. E quem não foi submetido a cirurgia ainda tem pĂȘnis". Por isso, Barroso diz que não é raro constatar, entre aquelas que evitam ir ao Sistema Único de SaĂșde (SUS) por medo de preconceitos, casos de mĂĄ higiene da genitĂĄlia e laceração da pele por amarrarem o pĂȘnis para escondĂȘ-lo, provocando irritações, que são um fator de risco para o câncer.

O médico destaca que, embora seja feita a transição de gĂȘnero, muitas pessoas esquecem que ali existe uma próstata. "A própria mulher trans não tem consciĂȘncia disso. Muitas vezes, no cuidado com a saĂșde, isso não é abordado". HĂĄ ainda a crença de que o uso de hormônios femininos pode proteger completamente a mulher trans do câncer de próstata. "Mas é possĂ­vel, mesmo usando hormônios femininos, a mulher trans ser afetada pelo câncer de próstata". Outro equĂ­voco é achar que a cirurgia engloba a retirada da próstata. "A próstata fatalmente estarĂĄ lĂĄ, a não ser que haja uma doença que exija sua retirada."

Barroso diz que a mulher trans com próstata precisarĂĄ do urologista à medida que for envelhecendo, tanto quanto o homem cis. Por outro lado, lembra o médico, o câncer de próstata é 100% curĂĄvel se for detectado precocemente. Quanto mais tardia for transição, pela própria presença de mais hormônios masculinos, maior serĂĄ a chance de câncer de próstata. "E hĂĄ relatos de cânceres que jĂĄ vĂȘm com metĂĄstase, por conta também do mau acesso à saĂșde, da desinformação", acrescenta.

Preconceito

Embora muitas pessoas transgĂȘnero deixem de procurar o SUS com receio de ouvir agressões ou ser discriminadas, ofendidas ou mal recebidas, o especialista lembra que o sistema é para todos, é universal. "Ter acesso à saĂșde, ao respeito, à dignidade é um direito da população trans. Isso é constitucional", destaca Barroso. Segundo ele, a SBU tem um departamento que trata dos cuidados urológicos na população trans.


"Portanto, é muito importante que o Novembro Azul seja, de fato, mais abrangente e mais inclusivo, não focando somente na prevenção do câncer de próstata, mas também na conscientização, tanto dos homens cis quanto dos homens trans e das mulheres trans, da necessidade de procurar o urologista". O tema é sempre abordado nas sessões de educação continuada da entidade, diz Barroso Jr., reiterando que o Novembro Azul passou a ser o mĂȘs de conscientização da saĂșde do homem e, agora, também de todas as pessoas que precisam de um urologista.

De acordo com o urologista e oncologista Carlos Carvalhal, membro da SBU e médico do Hospital São Francisco na ProvidĂȘncia de Deus, independentemente da escolha de como a pessoa vai se relacionar com o mundo, os profissionais da saĂșde tĂȘm que fazer o mesmo trabalho com todos. O mais importante é garantir que as pessoas trans sejam acolhidas da mesma forma que qualquer outro paciente, por todos os profissionais da ĂĄrea. Ele diz que preconceito não deveria existir e defende a realização de um trabalho social grande para tornar mais fĂĄcil o acesso desses indivĂ­duos tanto no SUS quanto no setor privado.

Assim como Barroso Jr., Carlos Carvalhal enfatiza que ainda não existe protocolo para retirada da próstata em cirurgias de redesignação de sexo. "A retirada da próstata traz malefĂ­cios anatômicos que podem gerar complicações Por isso, as mulheres trans ficam com a próstata e devem fazer a mesma avaliação que o pĂșblico masculino". Carvalhal ressalta que, como a parte da genitĂĄlia era do sexo masculino, essas pessoas vão ter problemas comuns aos homens. Algumas medicações podem diminuir a prevalĂȘncia de câncer, mas não evitam a doença e, "às vezes, até dificultam o diagnóstico", afirma.

Com a detecção precoce, a chance de cura do câncer de próstata é muito maior, confirma Carvalhal. Segundo ele, os homens tĂȘm pouco costume de procurar o urologista. "As mulheres se cuidam muito mais. O homem, não."

Campanhas plurais

A presidente da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), Keila Simpson, diz que campanhas como o Novembro Azul deveriam ser feitas o ano todo, para incentivar a avaliação frequente da próstata. "Precisamos ter, cada vez mais, campanhas orientando as pessoas a cuidarem da saĂșde durante todo o ano". Para Keila, campanhas especĂ­ficas como o Outubro Rosa, contra o câncer de mama, e o Novembro Azul, contra o câncer de próstata, podem ser entendidas como restritivas a mulheres e homens, respectivamente. E isso acaba levando as mulheres trans, por exemplo, a não se sentirem incluĂ­das. "Elas não vão ter atenção com essas campanhas. Com a informação que não as estĂĄ atingindo, de fato, elas não vão ligar".

Para Keila, o movimento social tem muito a contribuir para o debate sobre binaridade de gĂȘnero. "E que as pessoas que não se identificam com o gĂȘnero a elas atribuĂ­do no nascimento possam se sentir incluĂ­das, principalmente em relação à saĂșde, que se sintam parte do processo"

Keila destaca ainda a necessidade de os profissionais do SUS se atualizarem e se reciclarem para atender às mulheres trans da mesma forma que homens e mulheres cis são atendidos. "Por isso, muitas resistem em procurar consultórios médicos que estão inteiramente binarizados. "E, aĂ­, os preconceitos e as discriminações acontecem. O que se espera é que um espaço que vai cuidar da saĂșde não tenha preconceitos. E não acabe estabelecendo situações que fazem desse exame tão importante um tipo de comédia para estigmatizar um processo de cuidado da saĂșde."

Uma das ações sugeridas por Keila é a criação de espaços, principalmente pĂșblicos, que não sejam separados para homens e mulheres, que sejam espaços comuns, em que toda a população, incluindo mulheres trans, possam estar. "Que sejam neutros. Homens e mulheres no mesmo espaço, e cada especialidade atendendo os seus pacientes". A partir daĂ­, seria possĂ­vel evitar um pouco desse constrangimento, enfatiza.

*Colaborou Solimar Luz, do Radiojornalismo

Fonte: AgĂȘncia Brasil

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