O presidente Jair Bolsonaro sancionou, com vetos, o projeto que revoga a Lei de Segurança Nacional e que cria um capĂtulo no Código Penal para crimes contra o Estado DemocrĂĄtico de Direito. O texto foi publicado hoje no DiĂĄrio Oficial da União e entra em vigor em 90 dias.
Bolsonaro vetou o trecho que previa punição para quem praticasse a "comunicação enganosa em massa", as fake news. O argumento é que ele contraria o interesse pĂșblico por não deixar claro o objeto da criminalização, se a conduta daquele que gerou a notĂcia ou daquele que a compartilhou (mesmo sem intenção de massificar), ou se haveria um "tribunal da verdade" para definir o que pode ser entendido por inverĂdico. Além disso, provocaria "enorme insegurança jurĂdica" diante da dĂșvida sobre se o crime seria continuado ou permanente.
"A redação genérica teria o efeito de afastar o eleitor do debate polĂtico, reduzindo sua capacidade de definir suas escolhas eleitorais, inibindo o debate de ideias, limitando a concorrĂȘncia de opiniões, indo de encontro ao contexto do Estado DemocrĂĄtico de Direito, o que enfraqueceria o processo democrĂĄtico e, em Ășltima anĂĄlise, a própria atuação parlamentar", diz a mensagem encaminhada ao Congresso.
Os parlamentares farão a anĂĄlise dos vetos e poderão mantĂȘ-los ou derrubĂĄ-los. O texto do projeto foi aprovado em maio na Câmara e em agosto pelo Senado.
Outro trecho vetado dizia respeito ao atentado ao direito de manifestação. Nesse caso, segundo o argumento apresentado por Bolsonaro, a dificuldade seria caracterizar o que viria a ser manifestação pacĂfica, o que também poderia gerar "grave insegurança jurĂdica para os agentes pĂșblicos das forças de segurança responsĂĄveis pela manutenção da ordem".
"Isso poderia ocasionar uma atuação aquém do necessĂĄrio para o restabelecimento da tranquilidade, colocando em risco a sociedade, uma vez que inviabilizaria uma atuação eficiente na contenção dos excessos em momentos de grave instabilidade, tendo em vista que manifestações inicialmente pacĂficas podem resultar em ações violentas, que precisam ser reprimidas pelo Estado", explicou.
O presidente também vetou o trecho que previa que militares que cometerem crime contra o Estado de Direito teriam a pena aumentada pela metade, além da perda do posto e da patente ou graduação. A justificativa é de que isso violaria o princĂpio da proporcionalidade, "colocando o militar em situação mais gravosa que a de outros agentes estatais, além de representar uma tentativa de impedir as manifestações de pensamento emanadas de grupos mais conservadores".
Do mesmo modo, foi vetado o dispositivo que aumentava a pena em um terço caso o crime fosse cometido com violĂȘncia ou grave ameaça com uso de arma de fogo ou por funcionĂĄrio pĂșblico, que seria punido, ainda, com a perda da função. Para Bolsonaro, "não se pode admitir o agravamento pela simples condição de agente pĂșblico em sentido amplo, sob pena de responsabilização penal objetiva, o que é vedado".
Também foi barrado o dispositivo que permitia que partidos polĂticos com representação no Congresso movessem ação contra envolvidos em crimes contra o funcionamento das instituições democrĂĄticas nas eleições caso o Ministério PĂșblico não o fizesse no prazo estabelecido em lei.
O argumento é de que a medida não é "razoĂĄvel para o equilĂbrio e a pacificação das forças polĂticas no Estado DemocrĂĄtico de Direito, levando o debate da esfera polĂtica para a esfera jurĂdico-penal, tendente a pulverizar iniciativas para persecução penal em detrimento do adequado crivo do Ministério PĂșblico". "Nesse sentido, não é atribuição de partido polĂtico intervir na persecução penal ou na atuação criminal do Estado", diz a justificativa encaminhada ao Congresso.
Criada em 1983, no final da ditadura militar, a Lei de Segurança Nacional, agora revogada, estabelecia, por exemplo, que caluniar ou difamar os presidentes de poderes pode acarretar pena de prisão de até quatro anos.
A nova lei, sancionada por Bolsonaro, prevĂȘ que não constitui crime previsto no Código Penal "a manifestação crĂtica aos poderes constitucionais nem a atividade jornalĂstica ou a reivindicação de direitos e garantias constitucionais por meio de passeatas, de reuniões, de greves, de aglomerações ou de qualquer outra forma de manifestação polĂtica com propósitos sociais".
O texto acrescenta à legislação a tipificação de oito crimes contra a democracia: atentados à soberania e à integridade nacional, espionagem, abolição violenta do Estado DemocrĂĄtico de Direito, golpe de Estado, interrupção de processo eleitoral, violĂȘncia polĂtica e sabotagem. Entenda cada um desses crimes:
- Atentado à soberania: Negociar com governo ou grupo estrangeiro, ou seus agentes, com o fim de provocar atos tĂpicos de guerra contra o paĂs ou invadi-lo. Pena de reclusão, de trĂȘs a oito anos. Aumenta-se a pena de metade até o dobro, se declarada guerra em decorrĂȘncia das condutas previstas. Se o agente participa de operação bélica com o fim de submeter o território nacional, ou parte dele, ao domĂnio ou à soberania de outro paĂs, a pena vai de quatro a 12 anos.
- Atentado à integridade nacional: Praticar violĂȘncia ou grave ameaça com a finalidade de desmembrar parte do território nacional para constituir paĂs independente. Pena de reclusão, de dois a seis anos, além da pena correspondente à violĂȘncia.
- Espionagem: Entregar a governo estrangeiro, a seus agentes, ou a organização criminosa estrangeira, em desacordo com determinação legal ou regulamentar, documento ou informação classificados como secretos ou ultrassecretos nos termos da lei, cuja revelação possa colocar em perigo a preservação da ordem constitucional ou a soberania nacional. Pena de reclusão, de trĂȘs a 12 anos. Incorre na mesma pena quem presta auxĂlio a espião, conhecendo essa circunstância, para subtraĂ-lo à ação da autoridade pĂșblica. Se o documento, dado ou informação for transmitido ou revelado, com violação do dever de sigilo, a pena sobe para de seis a 15 anos.
Facilitar a prĂĄtica de qualquer dos crimes previstos nesta tipificação mediante atribuição, fornecimento ou empréstimo de senha, ou de qualquer outra forma de acesso de pessoas não autorizadas a sistemas de informações, a pena é de um a quatro anos.
Não constitui crime a comunicação, a entrega ou a publicação de informações ou de documentos com o fim de expor a prĂĄtica de crime ou a violação de direitos humanos.
- Abolição violenta do Estado DemocrĂĄtico de Direito: Tentar, com emprego de violĂȘncia ou grave ameaça, abolir o Estado DemocrĂĄtico de Direito, impedindo ou restringindo o exercĂcio dos poderes constitucionais. Pena de reclusão, de quatro a oito anos, além da pena correspondente à violĂȘncia.
- Golpe de Estado: Tentar depor, por meio de violĂȘncia ou grave ameaça, o governo legitimamente constituĂdo. Pena de reclusão de quatro a 12 anos, além da pena correspondente à violĂȘncia.
- Interrupção do processo eleitoral: Impedir ou perturbar a eleição ou a aferição de seu resultado, mediante violação indevida de mecanismos de segurança do sistema eletrônico de votação estabelecido pela Justiça Eleitoral. Pena de reclusão de trĂȘs e seis ano e multa.
- ViolĂȘncia polĂtica: Restringir, impedir ou dificultar, com emprego de violĂȘncia fĂsica, sexual ou psicológica, o exercĂcio de direitos polĂticos a qualquer pessoa em razão de seu sexo, raça, cor, etnia, religião ou procedĂȘncia nacional. Pena de reclusão de trĂȘs a seis anos e multa, além da pena correspondente à violĂȘncia.
- Sabotagem: Destruir ou inutilizar meios de comunicação ao pĂșblico, estabelecimentos, instalações ou serviços destinados à defesa nacional, com o fim de abolir o Estado DemocrĂĄtico de Direito. Pena de reclusão, de dois a oito anos.
Fonte: AgĂȘncia Brasil