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Fair Play Financeiro: conheça regra que limita gastos no futebol europeu e que pode chegar ao Brasil

Entra ano e sai ano e uma velha discussão reaparece: A implementação do Fair Play Financeiro no Brasil irá acontecer? O Bahia Notícias procurou o advogado desportivo Milton Jordão para falar sobre o tema que tem voltado a dar as caras no futebol brasileiro.

Por PRADO AGORA em 16/03/2024 às 00:34:26

Entra ano e sai ano e uma velha discussão reaparece: A implementação do Fair Play Financeiro no Brasil irá acontecer? O Bahia Notícias procurou o advogado desportivo Milton Jordão para falar sobre o tema que tem voltado a dar as caras no futebol brasileiro. Mas antes, precisamos relembrar como, quando e onde surgiu o conceito de Fair Play Financeiro.

O conceito do Fair Play Financeiro foi criado pela UEFA em 2009 e implementado no início da temporada 2011/12 do futebol europeu, o Fair Play Financeiro é um conjunto de regras estabelecidas para evitar que os clubes de futebol profissional gastem mais do que arrecadam. Isso impossibilita que os clubes gastem mais do que arrecadam? Não. Foi uma forma que a UEFA encontrou para castigar os clubes que andam com as contas desequilibradas. Pode ser definido também como um sistema de controle das finanças dos clubes em que se cumprem requisitos de gestão orçamentárias pré-definidos, visando garantir a sustentabilidade do negócio para o bem-estar do desenvolvimento do mercado.

Espanhóis que acreditam em teoria da conspiração dizem que o Fair Play foi implementado em resposta à janela de transferências do Real Madrid na temporada 2010/2011, quando chegaram Cristiano Ronaldo, Kaká, Karim Benzema, Xabi Alonso, Álvaro Arbeloa, Raúl Albiol, Álvaro Negredo, Esteban Granero, Adán, e Ezequiel Garay, com o total de €258,50 milhões gastos, na segunda formação dos "galáticos".

Foto: Real Madrid

Também é exigido pela UEFA, como parte do fair play, que os clubes tenham patrimônio líquido positivo ao final de cada temporada, ou, que tenham evoluído 10% em relação ao ano anterior. Caso seja descumprido, penalidades financeiras e punições esportivas poderão ser impostas ao clube infrator.

Existe uma regra geral de Fair Play Financeiro da UEFA (válida para todos os clubes filiados), porém cada país pode editar um regulamento específico para suas ligas. Como por exemplo, o caso de LaLiga, que possui suas regras financeiras para os clubes espanhóis.

Conhecida como a liga mais rígida em relação à saúde financeira de seus clubes, LaLiga prevê um "limite de custo com o plantel esportivo", que engloba pagamento de salários de atletas, comissão técnica e transferências, tudo de acordo com o balanço financeiro que foi apresentado pelos clubes no ano anterior. Assim, LaLiga analisa a saúde financeira de cada clube e, a partir disso, estipula um teto de quanto cada equipe poderá gastar na temporada, sem que um deles gaste além de suas capacidades (prejudicando os times financeiramente responsáveis em detrimento dos "gastões").

O Real Madrid, por exemplo, teve um limite de 700 milhões de euros para gastar na temporada 2022/2023. Ao contrário do clube merengue, o Barcelona é um dos clubes que vem sendo impactado de forma negativa pelo FPF: em 2021, o clube se viu sem escolhas e abriu mão de seu maior ídolo, Lionel Messi, que seguiu para o Paris Saint-Germain.

Foto: Paris Saint-Germain

Por causa das regras do FPF, o clube não pôde renovar seu contrato com o jogador, tendo em vista que o salário que Messi teria a receber iria ultrapassar o teto que a equipe poderia gastar. Os gastos do clube blaugrana eram tão exorbitantes, que para além da saída de Messi, o clube não pôde inscrever alguns dos reforços que chegaram ao time logo de cara, e teve que vender direitos do Barça Studios, do Camp Nou e 25% do valor que tem a receber de direitos de transmissões em LaLiga.

Foto: UEFA

A União das Associações Europeias de Futebol (UEFA), criou o FPF com a ideia de evitar investimentos imediatistas e gastos desenfreados. Ainda assim, alguns clubes descumpriram a regra e foram punidos pela entidade: Inter de Milão, Milan e Juventus e Roma (Itália), Monaco, Olympique de Marselha e Paris Saint-Germain (França) e Besiktas (Turquia). Na próxima temporada europeia (2024/2025), entra em vigor o novo modelo proposto pela UEFA em 2022, no qual os clubes filiados só poderão gastar 70% das receitas totais na temporada, uma queda de 20% em relação ao ano de lançamento do modelo - em 2022 era de 90%.

E no Brasil, como anda o desenvolvimento dessa regra?

Como citamos no primeiro parágrafo desta nota: Entra ano e sai ano e a discussão aparece. Entretanto, no Brasil, o Fair Play Financeiro ainda não foi implementado, apesar de já ser estudado pela CBF há algum tempo, desde 2019. Porém possuem muitas dificuldades, existem clubes que não estão em conformidade com as regras, como por exemplo o clube de Compliance, comandado pela Diretoria de Governança e Conformidade da CBF.

A nova Lei Geral do Esporte chegou a citar a obrigatoriedade da criação do Fair Play Financeiro. O Art. 188. diz: "Cada organização esportiva de abrangência nacional que administra e regula a respectiva modalidade esportiva deverá criar regulamento de fair play financeiro aplicável no âmbito das competições que promover e ao qual se submeterão às organizações esportivas associadas ou filiadas.

Parágrafo único. O regulamento disposto no caput deste artigo deverá prever regras e sanções referentes, mas não limitadas, a:

I - equilíbrio financeiro, patrimônio líquido e níveis de endividamento;

II - limites financeiros para contratação de atletas por temporada;

III - limites para aportes financeiros de acionistas; e

IV - garantia de continuidade operacional mediante auditoria externa."

Entretanto, o projeto nunca saiu do papel.

"Infantino assume a Fifa em 2017 e lança uma carta, nessa carta ele lança o futebol 2.0, e ele acrescenta o futebol feminino. Ou seja, só é possível que se implemente o fair play de maneira mais rápida e rígida no Brasil caso a Fifa ou Conmebol informe que, para que os clubes possam jogar as suas competições, a regra deve estar em vigor no país, e assim a CBF implementaria de maneira mais urgente", disse Milton Jordão ao BN.

O Fair Play também é a ideia das Ligas que pretendem se estabelecer no país, já com o Fair Play Financeiro em vigor. Ainda, no Projeto de Lei Geral do Esporte, aprovado pelo Senado, tal figura também já está prevista. Entretanto, para Milton, as Ligas que buscam se estabelecer no Brasil (LIBRA e Liga Futebol Forte) não terão esse tipo de poder (como LaLiga possui), e sim serão "gerenciadoras de patrocínios".

Em 2019, o Endividamento dos Clubes da Série A, segundo estudo do Valor das Marcas da BDO, é de R$ 5,7 bilhões em 31 de dezembro de 2019. No mesmo estudo, as 20 instituições da Série A do mesmo ano apresentaram um resultado líquido, que significou um déficit de R$ 616 milhões.

De acordo com Manoel Flores, ex-diretor de competições da CBF e um dos idealizadores do projeto Licenciamento de Clubes — que prevê o cumprimento de critérios financeiros para que os times possam disputar as diversas séries —, a crise trazida pela Covid-19 atrasou os debates do FPF no Brasil. "As discussões pararam por causa da pandemia e do impacto nas receitas dos clubes" , disse Manoel.

O alto endividamento dos clubes brasileiros fez com que muitos times optassem por seguir um caminho alternativo. Com a chegada da Lei 14193, a "Lei da Sociedade Anônima do Futebol", vários clubes brasileiros tiveram porcentagens de suas SAFs vendidas, como é o caso do Bahia, que vendeu 90% de sua Sociedade Anônima do Futebol para o Grupo City. Logo no primeiro ano de parceria, o clube baiano teve cerca de 70% de suas dívidas pagas pela SAF, o que fez com que o clube pudesse investir, de forma mais incisiva, no mercado de transferências em 2024.

Foto: Reprodução

Feito que fez com que muitos jornalistas e torcedores cobrassem insistentemente a implementação do Fair Play Financeiro no mercado brasileiro. Usando como alternativa o fato de que o Bahia possui agora o mesmo dono do Manchester City, time que "driblou" as regras do futebol e caiu na malha fina do FPF, em 2023. O Manchester City foi denunciado em fevereiro de 2023 pela Premier League - que também possui seu próprio conjunto de normas, assim como LaLiga - por uma série de possíveis infrações às leis de Fair Play Financeiro, após investigação que durou quatro anos. Acusado de mais de 100 violações entre 2009 e 2018. Agora em 2024, o clube voltou a ser denunciado pela Premier League por supostas infrações ao Fair Play. Vale lembrar, que em sua criação, lá em 2009, uma das premissas do fair play era de dificultar a ação de bilionários que usassem o futebol como instrumento de lavagem de dinheiro.

Apesar de já ser estudado pela CBF há pelo menos cinco anos, o FPF ainda não foi implementado no Brasil. Ao passo que os estudos para a implementação ocorrem, os clubes precisam começar a se adaptar ao teto de gastos, pois a cobrança feita para times como Bahia, Red Bull Bragantino, Botafogo e Vasco - que possuem o suporte da SAF - devem se estender também a clubes como Corinthians, que possui dívidas na casa dos R$ 2 bilhões e gastou cerca de R$ 130 milhões em contratações na janela de transferências, Atlético Mineiro e Internacional que são clubes que também estão entre as dívidas mais altas e costumam figurar entre os que mais gastam no mercado da bola.

A discussão do Fair Play é antiga e, ao mesmo tempo, atual. O fato é que é uma alternativa que cada vez mais fica mais próxima de se concretizar nas próximas temporadas.

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